quinta-feira, 30 de novembro de 2017

Ori faz o que os Orixás não fazem.

Orunmilá reuniu todos os deuses em sua casa e lhes fez a seguinte pergunta:

- Quem dentre os orixás pode acompanhar o seu devoto numa longa viagem além dos mares e não voltar mais?

Xangô respondeu que ele podia.

Então foi lhe perguntado o que ele faria depois de ter andado, andado e andado até as portas de Cossô, a cidade de seus pais. Onde iam preparar-lhe um amalá e oferecer-lhe uma gamela de farinha de inhame. Onde lhe dariam orobôs e um galo, um aquicó. Xangô respondeu:

- Depois de me fartar, retomarei à minha casa!

Então foi dito a Xangô que ele não conseguiria acompanhar seu devoto numa viajem sem volta além dos mares.

Aos que entravam pela porta e ali ficavam de pé, Ifá fez a pergunta:

- Quem dentre os orixás pode acompanhar seu devoto numa longa viagem além dos mares e não voltar mais?

Oiá respondeu que ela poderia. Foi-lhe perguntado o que ela faria depois de caminhar uma longa distância, caminhar, caminhar e chegar à cidade de Irá, o lar de seus pais, onde lhe ofereceriam uma gorda cabra e lhe dariam um pote de cereal. Oiá respondeu:

- Depois de comer até me satisfazer, voltarei para casa!

Foi dito a Oiá que ela não poderia acompanhar seu devoto numa viagem sem volta além dos mares.

A todos os orixás reunidos por Orunmilá, Ifá fez a seguinte pergunta:

- Quem dentre os orixás pode acompanhar seu devoto numa longa viagem além dos mares e não voltar mais?

Oxalá respondeu que ele poderia. Foi-lhe perguntado então o que ele faria depois de caminhar uma longa distância, caminhar, caminhar e chegar na cidade de Ifom, o lar de seus pais, onde matariam duzentos igbins servidos com melão e vegetais. Oxalá respondeu:

- Depois de comer até me satisfazer, voltarei para minha casa!

Foi dito a Oxalá que ele não poderia acompanhar seu devoto numa viagem sem volta além dos mares.

A todos os deuses reunidos por Orunmilá, Ifá fez a seguinte pergunta:

- Quem dentre os orixás pode acompanhar seu devoto numa longa viagem além dos mares e não voltar mais?

Exu respondeu que ele poderia acompanhar o seu devoto numa longa viagem além dos mares e não voltar mais. Então foi-lhe perguntado: 

- O que farás depois de caminhar uma longa distância, caminhar, caminhar e chegar na cidade de Queto, o lar de seus pais, e ali te derem um galo e grande quantidade de azeite de dendê e aguardente? 

Ele respondeu que deposi de se fartar, voltaria para sua casa. foi dito a Exu:

- Não, não poderias acompanhar seu devoto numa viagem além dos mares e não voltar mais.

A todos os deuses reunidos por Orunmilá, Ifá fez a seguinte pergunta:

- Quem dentre os orixás pode acompanhar seu devoto numa longa viagem além dos mares e não voltar mais?

Ogum respondeu que ele sim poderia. Foi-lhe perguntado o que ele faria depois de caminhar uma longa distância, caminhar, caminhar e chegar na cidade de Irê, o lar de seus pais, onde haviam de lhe oferecer feijões pretos cozidos e lhe matar um cachorro e um galo. Ogum respondeu:

- Depois de comer até me satisfazer, voltarei para minha casa cantando alto e alegremente pelo caminho!

Foi dito a Ogum que ele não poderia acompanhar seu devoto numa viagem sem volta além dos mares.

A todos os orixás reunidos por Orunmilá, Ifá fez a seguinte pergunta:

- Quem dentre os orixás pode acompanhar seu devoto numa longa viagem além dos mares e não voltar mais?

Oxum disse que ela podia. Foi-lhe perguntado:

- O que farias depois de caminhar uma longa distância, caminhar, caminhar e chegar na cidade de Ijimu, o lar de seus pais, onde te dariam cinco pratos de feijão fradinho com camarão, tudo acompanhado de vegetais e cerveja de milho?

 Oxum respondeu:

- Depois de me saciar, voltaria para minha casa!

Foi dito a Oxum que ela não poderia acompanhar seu devoto numa viagem sem volta além dos mares.

A todos os orixás reunidos por Orunmilá, Ifá fez a seguinte pergunta:

- Quem dentre os orixás pode acompanhar seu devoto numa longa viagem além dos mares e não voltar mais?

O próprio Orunmilá respondeu que poderia. Foi-lhe perguntado: 

- O que farás depois de caminhar uma longa distância, caminhar, caminhar e chegar na cidade de Igueti, o lar de seus pais, onde vão te oferecer dois ligeiros preás, dois peixes que nadam graciosamente, duas aves femêas com grandes fígados, duas cabras pesadas e prenhas, duas novilhas com grandes chifres? E onde vão te preparar inhames pilados, mingaus de farinhas brancas e a mais preciosa de todas as cervejas? E também te oferecer os mais saborosos obis e as melhores pimentas doces?

- Depois de me fartar - respondeu Orunmilá - voltarei para casa!

O sacerdote de Ifá ficou pasmo. Não conseguia uma palavra sequer. Porque ele simplesmente não entendia essa parábola. Disse ele:

- Orunmilá, eu confesso minha incapacidade. Por favor, ilumina-me com tua sabedoria. Orunmilá, és o lider, eu sou o teu seguidor. Qual é a resposta para a pergunta sobre quem dentre os deuses pode acompanhar seu devoto numa viagem sem volta além dos mares?

Falou Orunmilá:

- Quando morre um sacerdote de Ifá, dizem que seus apetrechos de adivinhação devem ser deixados numa corrente d'água. Quando morre  um devoto de Xangô, dizem que suas ferramentas devem ser despachadas. Quando morre um devoto de Oxalá, dizem que sua parafernália deve ser enterrada.

Disse também Orunmilá:

- Mas quando os seres humanos morrem, a cabeça nunca é separada do corpo para o enterro. Não. Lá está Ori. Lá vai ele junto com o seu devoto morto. Somente o Ori pode acompanhar para sempre seu devoto, para sempre em qualquer lugar.

Falou ainda Orunmilá:

- Pois o Ori é o único que pode acompanhar seu devoto numa viagem sem volta além dos mares!

(Livro: Mitologia dos Orixás - Reginaldo Prandi)


Artista: Marcelo Terça Nada

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